segunda-feira, 29 de junho de 2009

AGRESSÕES INUSITADAS




Por Carollaine Graciotto

Nos dias de hoje está se tornado cada vez mais comum observarmos cenas de agressões inusitadas. Um fenômeno de violência gratuita que vem ocorrendo como se fosse algo normal e banal. São agressões inéditas, crimes fora do lugar, que não se entende, que não tem o porquê de acontecer, mas ocorrem com muito mais freqüência do que podemos imaginar.



Segundo Jorge Forbes, “o fenômeno das "agressões inusitadas" é a doença de um mundo que descartou a figura do pai” (Sobre as "Agressões Inusitadas" - O Estado de São Paulo, 17 de abril de 2005). O psicanalista cita os males da globalização e do capitalismo como os maiores contribuintes para a formação de pais “genéricos”, como os chama e ainda diz “perdemos todos os padrões”. "A globalização pluralizou as possibilidades e as pessoas entraram na angústia da escolha", diz Fobes a respeito do comportamento dessa nova geração.
Verificou-se que já não existe mais um padrão a ser copiado, não há mais um referencial a ser seguido de como funciona uma família, e com isso as crianças e adolescentes de hoje ficam sem limites, sem parâmetros, a mercê de suas próprias vontades e desejos, pois os pais estão trabalhando tanto para sobreviver nesse mundo globalizado e consumista, e esquecem que o principal não é o dinheiro, mas sim, a educação, limites e afeto, enfim, a figura presente de uma família a ser copiada como um referencial, com ordem e limites, e com a ausência desses responsáveis não há ninguém que lhes dê esse exemplo, a não ser a própria mídia e os colegas de sua convivência.



Vemos o caso da jovem Daniela de apenas 20 anos que mandou assassinar seu pai. O psicanalista explica que o pai de Daniela virou um pai genérico, perdeu a sua característica própria de pai, e a jovem simplesmente o “deletou” como se fosse algo descartável de sua vida. Casos de agressão são comuns quando se tem uma justificativa, como fome, inveja, amor, necessidade, etc. É compreensível a sociedade, mas no caso da agressão inusitada não se tem nenhuma justificativa, ela acontece sem nenhuma explicação.
Vejamos o caso do jovem que saia de um restaurante acompanhado de sua namorada. Ao descer as escadas cruzou com outro jovem que tirou um soco inglês de seu bolso e quebrou em três pedaços o seu nariz. Qual a explicação, se não havia gangue, grupos, os jovens nem ao menos se conheciam. O que foi que aconteceu? Fica difícil explicar, mais casos como esse, estão se tornando mais freqüentes, e não estão vindo à tona como deveria, pois a sociedade precisa ter o conhecimento para poder lidar melhor com essa situação de violência gratuita.



“Na lista dos novos problemas podemos realçar os crimes inusitados, ao lado do fracasso escolar, da epidemia de depressão, do crescimento vertiginoso das toxicofilias” (A INSUSTENTÁVEL VIOLÊNCIA DO SER PÓS-MODERNO*Jorge Forbes). Nesse texto o autor destaca o caso de Suzane, e de como ela abalou a sociedade com crime que cometeu. Jorge destaca que a sociedade necessita de uma explicação, de uma justificativa desses crimes, ou então fica a dúvida de como qualquer um do nosso convívio, ou nós mesmos corremos o risco de cometer tais crimes, e isso é o que mais preocupa a população. “A compreensão diminui a angústia social e dá a impressão de poder controlar as ações humanas” diz o psicanalista. No caso da Suzane, a explicação convincente foi de que o pai era um alemão muito rígido e a mãe era uma psiquiatra que se ausentava muito de casa por causa do trabalho, então, essa combinação resulta em filhos que assassinam os pais. Muito simples se fosse apenas isso. Mas como a sociedade precisa ter a certeza de que “pais normais” que aplicam uma “educação normal” em “filhos normais” é uma receita que gera bons resultados que não vão acabar como essas histórias trágicas, mas, tudo vai bem nada fora do “comum”, é preciso detectar uma razão, um motivo, uma doença, um desequilíbrio mental ou algo assim para justificar essa violência gratuita.
São inúmeros casos que poderíamos exemplificar, como o menino que foi arrastado por 7 km pendurado pelo cinto de segurança pelos bandidos que roubaram o carro onde ele estava com a mãe, ou como o pai que ensina ao seu filho e sobrinha entre 3 e 4 anos a agredir e assaltar uma boneca, ou como os homens que agrediram e bateram em uma mulher grávida depois de um acidente de trânsito. São casos que mostram como a violência realmente é gratuita, como virou algo banal que estamos tendo que “engolir” a força sem aceitarmos tais comportamentos.



Betty Fuks ressalta em seu livro Freud & a Cultura o que diz Freud sobre essa inclinação inevitável do sujeito à destruição com o conceito de três pulsões: pulsão de morte, pulsão agressiva e pulsão de destruição, decidindo aprofundar suas reflexões sobre “a inclinação inata do ser humano ao ‘mal’, a agressão, à destruição e, com elas, também à crueldade”. Freud diz sobre essa pulsão, “que ela trabalha diabolicamente em silêncio, em nosso interior, buscando o retorno do nosso estado inanimado”.



Em O mal-estar na civilização, Freud diz da importância de haver um equilíbrio entre a pulsão de vida e a de morte. Deve haver uma fusão entre as duas, caso contrário, a pulsão de morte “configura-se como destruição em estado puro”. Nesse texto ele ainda ressalta a vocação da humanidade para “satisfazer no outro a agressão, explorar sua força de trabalho sem ressarci-lo, usá-lo sexualmente sem o seu consentimento, tirar-lhe a posse de seu patrimônio, humilhá-lo, infligir-lhe dores, martirizá-lo e assassiná-lo”. “O sentimento de felicidade derivado da satisfação de um selvagem impulso instintivo não domado pelo ego é incomparavelmente mais intenso do que o derivado da satisfação de um instinto que já foi domado” (Freud 1930). Ele ainda transmite a idéia de que “no cerne do desejo, a morte é instrumento e causa de gozo da criatura humana”, servindo-se da máxima da Plauto, ou seja, o ser humano tem uma tendência a voltar ao estado inanimado de onde ele veio. Com esse entendimento, podemos usufruir da recomendação citada no livro de Fuks, do Mandamento bíblico do Antigo Testamento, de “Não matarás” sob o signo do desejo de que “Farás tudo para que o outro viva”. Ainda no eco do poema bíblico “O cântico dos cânticos” – “o amor é forte/ é como a morte”- reafirma o pensamento freudiano de que “Eros é forte, é como Tanatos”.



Sendo assim, observando tantos casos de violência gratuita, podemos detectar pelo que nos diz Freud, de que o ser humano realmente tem a tendência de matar e destruir, de que é grande a satisfação que a morte traz a si. É uma das maneiras de explicar essa brutalidade que vem acontecendo na nossa sociedade nos dias atuais.
Podemos reparar em certos casos, quando não há morte do autor do crime, que há três tempos: “Tudo bem – atrocidade – tudo bem. Vai-se da imprevisão, para o fenômeno e deste para a ignorância”, segundo o texto de Forbes. Mas o fato de não existir um porque para cometer as atrocidades, não diminui em nada a responsabilidade subjetiva dos autores do crime. “É notável que na maioria dos casos o autor saiba tão pouco do que fez quanto qualquer outra pessoa e não devemos tampar esse aspecto com o rótulo pronto de psicopatia” (Jorge Forbes), mas “teremos que responsabilizar a pessoa no acaso e na surpresa”.



Podemos concluir que “se não aprendermos a distrair as nossas pulsões do ato de destruir a nossa própria espécie, se continuarmos a odiar um ao outro por pequenas disputas e matar um ao outro por um ganho mesquinho” (Freud), o que podemos esperar do nosso futuro? Conforme Freud, não podemos esperar uma “humanidade pacificada com o bem” e pode-se explicar muito com ele, mas não justificar, e deveríamos insistir que se “Freud explica não justifica” (Forbes). Mas também não podemos passar a mão na cabeça daqueles que cometem tais violências, pois estamos vivendo em um novo mundo, que exigem novas formas de apreensão e legitimação. Devemos aprender que a “nossa liberdade começa com a liberdade do outro” (Forbes).



Por Carollaine Graciotto


Graduanda em Psicologia





REFERÊNCIAS
FORBES, Jorge. Sobre as "Agressões Inusitadas" (O Estado de São Paulo, 17 de abril de 2005): Por que Daniele matou Eduardo. Disponível em: <
http://www.jorgeforbes.com.br/br/contents.asp?s=17&i=24> Acesso em: 15 jun 2009.

FORBES, Jorge. A inusitável violência do ser pós-moderno. Disponível em : Acesso em: 15 jun 2009.

FUKS, Betty Bernardo. Lendo a guerra, a destruição e a morte. Pacifismo, responsabilidade e ética. In: ___­­­. Freud e a Cultura. Rio de Janeiro: Jorge Zahar Ed.,2007. p 38-39 e 62-63.

FREUD, Sigmund. O Mal-estar na Civilização (1930). In: ­­­___. O futuro de uma ilusão, o mal-estar na civilização e outros trabalhos (1927-1931). Rio de Janeiro: Imago. v. 21. (Obras completas de Sigmund Freud; v. 21). Cap. 2

Nenhum comentário:

Postar um comentário