quarta-feira, 18 de março de 2009

Fibromialgia e hísteria: Um estudo Psicanálitico


Estudo comparativo entre o quadro
clínico contemporâneo “fibromialgia” e
o quadro clínico “histeria” descrito
por Freud no século XIX


Thais Krukoski Marques e Silva Slompo
Leda Mariza Fischer Bernardino


Introdução

Este trabalho é um estudo comparativo do quadro clínico
contemporâneo denominado “fibromialgia” e do quadro clínico da
“histeria”, tal qual foi descrito por Sigmund Freud no século XIX.
Na fibromialgia – literalmente, dores nas fibras musculares – o sujeito
é acometido por dores difusas pelo corpo. Em seus casos mais severos
a dor é tão forte que paralisa. Não existem exames que diagnostiquem a
síndrome; seu diagnóstico é baseado exclusivamente na queixa do paciente.
O fato de um corpo aparentemente são, mas que dói a ponto de paralisar
o sujeito, é realmente intrigante.

Intrigante também era a histeria para Freud: pacientes, na sua grande
maioria mulheres, com sintomas físicos que não podiam ser explicados
fisiologicamente. Enquanto a maior parte dos médicos tratava dessas
mulheres com desdém, Freud se propôs a escutá-las, a partir da seguinte
constatação: “Como se houvesse a intenção de expressar o estado mental
através de um estado físico; e o uso lingüístico fornece uma ponte pelo
qual isso pode ser efetuado” (Freud 1893, p. 43).
Freud percebeu que o sintoma físico era reflexo de um processo
mental que há muito estava reprimido, e proporcionava a suas pacientes
um lugar de escuta no qual esses sintomas eram trabalhados no sentido de
encontrar seu estatuto de palavra.

Certamente, as mulheres que Freud ouvia não são as mesmas dos
tempos atuais. Mais de um século se passou desde então; nem a mulher
ocupa a mesma posição social que ocupava no final do século XIX, nem
a sexualidade se apresenta do mesmo modo que à época da repressão
vitoriana. Mas será que as questões sobre feminilidade e sexualidade
mudaram tanto assim?
Curiosamente, cada vez mais novas patologias vêm sendo descritas,
como se o sintoma roubasse, de novo, o lugar da palavra.

Mas serão novas estas patologias? Ou apenas “repaginadas”, com a cara do
século XXI? Neste século do poderio econômico neoliberal, no qual a indústria
dos medicamentos reina absoluta, são necessárias novas doenças para que se
prescrevam novos medicamentos. Como afirma Charles Melman (2003), “os
laboratórios hoje escrevem a clínica das afecções neuróticas e psicóticas” (p. 116).
A partir deste estudo pretende-se indagar qual é o lugar da fibromialgia nos
dias atuais. Trata-se de uma questão para a medicina ou para a psicanálise?
Este trabalho se justifica pela sua importância social, clínica e ética. Nestes
tempos em que a premissa do “medicar, ao invés do falar” impera com toda sua
força, busca-se com a psicanálise um retorno ao Sujeito (), ou seja: “ao invés
de calar o sintoma; falar do sintoma”.
A hipótese que se pretende estudar durante o desenvolver deste trabalho é
que a fibromialgia, tal como descrita nos dias de hoje, faz parte do quadro clínico
da histeria, ou seja, que os sujeitos diagnosticados com fibromialgia são, na
verdade, pacientes que apresentam sintomas histéricos.

O quadro clínico “Fibromialgia” sob o ponto de vista médico

A fibromialgia é uma síndrome crônica caracterizada por queixa dolorosa
musculoesquelética difusa e pela presença de pontos dolorosos em regiões
anatomicamente determinadas (Wolfe, 1990).
Outras manifestações que podem acompanhar o quadro são: fadiga crônica,
distúrbio do sono, rigidez muscular, parestesias, cefaléia, síndrome do cólon
irritável, fenômeno de Raynaud, assim como a presença de alguns distúrbios
psicológicos, em especial ansiedade e depressão. A depressão, por sua vez, está
presente em 25% dos casos de fibromialgia e 50% dos pacientes relatam
antecedente depressivo (Hudson & Pope, 1989).
Desde meados do século XIX já eram reconhecidas manifestações clínicas
que sugeriam o diagnóstico de fibromialgia. Em 1850, Froriep publicou casos de
pacientes que apresentavam contraturas musculares e dor a digitopressão em
diversas regiões anatômicas, sem, no entanto, caracterizar a presença de pontos
dolorosos. Em 1904, Gowers propôs o termo fibrosite para designar síndromes
dolorosas sistêmicas, ou regionais, nas quais observou uma sensibilidade dolorosa aumentada em determinadas regiões anatômicas, com ausência de manifestações inflamatórias, sendo que a fadiga e distúrbios do sono eram, por vezes, relatados.
Durante as décadas de 1950 e 1960 o termo fibrosite foi utilizado de forma pouco
específica, havendo diversos relatos de dores musculares referidas, uniformes
quanto ao padrão das queixas, porém diferindo quanto aos locais acometidos.

Muitos autores consideravam a fibrosite uma causa freqüente de dores
musculares, enquanto outros acreditavam tratar-se de um reumatismo psicogênico relacionado à tensão emocional.
A fibromialgia não era considerada uma entidade até a década de 1970,
quando Moldofsky (1975), publicou os primeiros relatos dos distúrbios do sono
e dos achados polissonográficos, que deram margem a novas vertentes na
investigação etiopatogênica. O termo fibromialgia foi proposto em 1976 por
Hench, e em 1977, Smythe & Moldofsky propuseram critérios para o seu
diagnóstico. Os diversos estudos que surgiram, a partir de então, observaram que uma grande parte dos pacientes com fibromialgia apresentava, em comum, regiões anatômicas mais dolorosas salientando-se o epicôndilo lateral, a região
costocondral e os grupamentos musculares da região cervical.
Na década de 1980, a questão dos critérios diagnósticos foi bastante debatida
e consagrou-se a fibromialgia como uma entidade clínica.
Em 1990, o Colégio Americano de Reumatologia publicou um estudo
multicêntrico, realizado em 16 centros especializados nos Estados Unidos e
Canadá, por um período de quatro anos, que envolveu 293 pacientes com
fibromialgia e 265 controles, que apresentavam condições clínicas facilmente
confundíveis com a fibromialgia (Wolfe, 1990). Foram propostos, como critérios
diagnósticos para a fibromialgia, a presença de queixas dolorosas difusas,
abrangendo as regiões acima e abaixo da linha da cintura, bilateralmente, por um
período maior do que três meses e a presença de dor em pelo menos 11 de 18
pontos anatomicamente padronizados. Considerou-se positivo um ponto, quando
era referido desconforto doloroso no local, após digitopressão com intensidade
de força equivalente ao limite e 4 kgf/cm2 com o uso de dolorímetro.
Os estudos epidemiológicos para a determinação da prevalência da fibromialgia são escassos (ibid., 1986), e até 1990 os dados eram conflitantes, devido às diferenças entre os padrões de referência de cada serviço, aos diferentes critérios diagnósticos utilizados, assim como às diferenças regionais entre as populações.
A freqüência da fibromialgia é de 1 a 5% na população em geral (Jacobsson,
1989). Considerando os pacientes atendidos em clínica médica, a freqüência da
fibromialgia é em torno de 5%, o que corresponde a 2,1% dos atendimentos do
médico de família e a 7,5% dos pacientes hospitalizados. Na clínica reumatológica, por sua vez, ela é detectada entre 14% e 20% dos atendimentos.
Na literatura nacional destaca-se o trabalho de Bianchi, Messias e Gonçalves
(Seda, 1982), que observaram a freqüência de “fibrosite” em 10,2% das populações do Rio de Janeiro e Porto Alegre. Martinez (1992), além de confirmar
estes achados, evidenciou o impacto socioeconômico da fibromialgia já descrito
por outros autores.

A fibromialgia é mais freqüente no sexo feminino, sendo 73 e 88% dos casos
descritos nesse sexo. Em média, a idade do seu início varia entre 29 e 37 anos,
sendo a idade de seu diagnóstico, entre 34 e 57 anos (Wolfe, 1990). Segundo o
estudo multicêntrico realizado pelo autor, a média de idade por ocasião do
diagnóstico foi de 49 anos, sendo 89% mulheres e 93% caucasianos.
As manifestações da fibromialgia tendem a ter início insidioso na vida adulta,
no entanto, 25% dos casos referem apresentar os sintomas dolorosos desde a
infância (Wolfe, 1986).
A origem da fibromialgia está relacionada à interação de fatores genéticos,
neuroendócrinos, psicológicos e distúrbios do sono (Moldofsky, 1989). As
alterações nos mecanismos de percepção de dor atuam como fator que predispõe
o indivíduo à fibromialgia, frente a processos dolorosos, a esforços repetitivos,
à artrite crônica, a situações estressantes como cirurgias ou traumas, processos
infecciosos, condições psicológicas e até retirada de medicações, como
corticosteróides (Yunus, 1994).
Tem-se observado que os indivíduos com fibromialgia, além de apresentarem
os característicos pontos dolorosos, apresentam também aumento da sensação
dolorosa em pontos ditos controle (Quimby, 1988).
A deficiência de serotonina, em particular, está implicada nas síndromes
dolorosas periféricas e centrais, levando a hiperalgesia. Além disto, a serotonina
e outras aminas biogênicas alteram a função dos macrófagos, ativam as células
citotóxicas e atuam em musculatura lisa, inclusive a dos vasos, mecanismo que
pode participar dos fenômenos vasoativos e da síndrome do cólon irritável
presentes na fibromialgia (Bennet, 1993). A liberação de substância P, por sua vez, é influenciada pela serotonina e a sua deficiência, quer no sistema nervoso
periférico, quer no central, acarreta alterações na percepção de estímulos
sensitivos normais (Russel, 1989). Nas situações em que ocorre depleção de
serotonina, observa-se a diminuição do sono não REM e o aumento das queixas
dolorosas, psicossomáticas e depressivas.
A principal queixa dos pacientes com fibromialgia é a dor difusa e crônica,
muitas vezes difícil de ser localizada ou caracterizada com precisão (Goldenberg,
1987). Os distúrbios do sono e a fadiga são relatados por 75% dos casos (Wolfe,
1990), fadiga esta que tem início logo ao despertar e duração maior do que uma
hora, reaparecendo no meio da tarde. Os pacientes referem, ainda, rigidez matinal e sensação de sono não restaurador, apesar de terem dormido de 8 a 10 horas.
O sono é superficial, tendo os pacientes facilidade de acordar frente a qualquer
estímulo, além de apresentar um despertar precoce (Moldofsky, 1989).
Apesar de poder apresentar-se de forma extremamente dolorosa e
incapacitante, a fibromialgia não ocasiona comprometimento articular inflamatório
ou restritivo (Wolfe & Cathey, 1983). A presença dos pontos dolorosos é o achado primordial do exame físico, não se observando edema ou sinovite, a não ser na concomitância de patologias como a osteoartrite ou artrite reumatóide.
A fraqueza muscular, o adormecimento e tremor em extremidades, embora
referidos por 75% dos pacientes, não são comprovados ao exame neurológico,
que é normal (Simms & Goldenberg, 1988).
Na fibromialgia o limiar doloroso médio dos pontos padronizados, assim
como dos pontos controle é mais baixo do que em outras doenças reumáticas
(Wolfe, 1990).
Outros achados do exame físico incluem o espasmo muscular localizado,
referidos como nódulos, a sensibilidade cutânea ao pregueamento (alodinia) ou
dermografismo, após compressão local. A sensibilidade ao frio também pode estar presente e manifestar-se como “cutis marmorata” em especial nos membros
inferiores (ibid.).
Os exames laboratoriais e o estudo radiológico são normais e, mesmo
quando alterados, não excluem o diagnóstico de fibromialgia, uma vez que esta
pode ocorrer em associação a artropatias inflamatórias, a síndromes cervicais ou
lombares, as colagenoses sistêmicas, a síndrome de Lyme e a tireoidopatias
(ibid.).
De uma forma geral o tratamento da fibromialgia repousa sobre quatro
pilares: exercícios para alongamento e fortalecimento muscular, assim como para
condicionamento cardiorespiratório; técnicas de relaxamento para prevenir
espasmos musculares; hábitos saudáveis para melhorar a qualidade de vida e
reduzir o estresse. Os pacientes com fibromialgia devem ter conhecimento pleno
de sua condição clínica, uma vez que ela se caracteriza por recidivas intermitentes dos sintomas de dor e fadiga; medicações para o controle da dor e dos distúrbios do sono. O tratamento medicamentoso inclui a prescrição de antiinflamatórios e aspirina, antidepressivos tricíclicos; inibidores da recaptação da serotonina; benzodiazepínicos; medicações para o sono; medicações tópicas; analgésicos; e derivados de anticonvulsivantes.

O quadro clínico “Histeria” segundo os estudos de Freud

O termo histeria tem origem nos primórdios da medicina e resultou do
preconceito, que vinculava as neuroses às doenças do aparelho sexual feminino
(υδτερα, útero).
Segundo Freud (1888), a histeria é uma neurose no mais estrito sentido da
palavra – que dizer, não só não foram achadas nessa doença alterações
perceptíveis do sistema nervoso, como também não se espera que qualquer
aperfeiçoamento das técnicas de anatomia venha revelar alguma dessas alterações. (ibid.).
Freud percorreu um longo caminho até apresentar a teoria da etiologia das
neuroses tal qual a conhecemos, pois sua teoria foi sendo construída na medida
em que sua clínica avançava.
No início de seus estudos sob a orientação de Charcot, Freud baseava sua
clínica da histeria nos métodos comumente utilizados na época, o principal deles
sendo a hipnose.
Sob a influência de Charcot e Janet tomava a histeria como uma “doença por
representação”, e seria causada pela ação patogênica de uma representação
psíquica, de uma idéia inconsciente e intensamente carregada de afeto que estava reprimida. Em “Comunicação preliminar” (1893), texto que antecede os “Estudos sobre a histeria” é essa a principal posição teórica adotada por ele:
... no curso normal das coisas, se uma experiência for acompanhada de uma
grande dose de “afeto”, esse afeto é “descarregado” numa variedade de atos
reflexos conscientes, ou então vai se desgastando gradativamente pela associação com outros materiais mentais conscientes. No caso dos pacientes
histéricos, por outro lado, nenhuma dessas coisas acontecem. O afeto permanece
num estado “estrangulado, e a lembrança da experiência a que está ligado é
isolada da consciência. A partir daí, a lembrança afetiva se manifesta em sintomas histéricos, que podem ser considerados “símbolos mnêmicos” – vale dizer, símbolos da lembrança suprimida. (p. 22)
No texto “A etiologia da histeria”, de 1896, Freud diz que “nenhum sintoma
pode emergir de uma única experiência real, mas que em todos os casos, a
lembrança de experiências mais antigas despertadas em associação com ela atua
na causação do sintoma” (p. 194).
Mais adiante, continua dizendo que: “... a descoberta mais importante a qual
chegamos quando uma análise é sistematicamente conduzida é que qualquer que
seja o caso, qualquer que seja o sintoma que tomemos como ponto de partida,
no fim chegamos infalivelmente ao campo da experiência sexual” (p. 196). Aqui,
portanto, Freud trata pela primeira vez de uma precondição etiológica dos sintomas histéricos – um trauma de origem sexual.
Porém, Freud não pôde encontrar nenhum indício de que esses traumas pudessem ter sido causados pelas cenas da puberdade ou por cenas posteriores.
Procurou, então, determinantes destes sintomas em experiências que retrocedessem ainda mais; ao fazer isso, chegou ao período da primeira infância.
E expõe a tese de que “na base de todos os casos de histeria, há uma ou mais
ocorrências de experiência sexual prematura, ocorrência reproduzida através do
trabalho da psicanálise a despeito das décadas decorridas no intervalo” (Freud,
1896, p. 200).

Nessa época Freud estava convencido de que o doente histérico havia
sofrido, durante sua infância, uma experiência traumática. A criança fora vítima
impotente de uma sedução sexual efetuada por um adulto. Acreditava que a
etiologia da histeria devia-se a um trauma sexual sob a forma de sedução por parte do pai. Como afirma em sua Carta 52 (1896): “... a histeria resulta em todos os casos da perversão por parte do sedutor”. Acreditava, então, que o desejo do pai era sempre o elemento patogênico.
Tal hipótese foi abandonada na medida em que se deu conta de que não
existe “índice de realidade” no inconsciente, de que não se pode distinguir entre
a verdade e a ficção investida de afeto. Foi com a famosa frase dita na carta 69
a Fliess “não acredito mais em minha neurótica” que Freud conta com
desapontamento os motivos pelos quais desacreditou na teoria de perversão por
parte do pai (Freud, Carta 69, 1897):
... veio a surpresa diante do fato de que, em todos os casos, o pai, não excluindo
o meu, tinha de ser apontado como pervertido – a constatação da inesperada
freqüência da histeria, na qual o mesmo fator determinante é invariavelmente
estabelecido, embora uma dimensão tão difundida da perversão em relação às
crianças não seja muito provável. (A perversão teria de ser mais
incomensuravelmente freqüente do que a histeria...). (p. 310)
Foi entre 1897 e 1905 que a teoria traumática da histeria – que Freud havia
desenvolvido com o auxílio de Breuer – deu lugar à teoria da fantasia, na qual o
atentado sexual sofrido foi tomado como uma elaboração fantasística que tinha
efeito traumático. E a premissa de que “o desejo do pai é sempre o elemento
patogênico” deu lugar à hipótese de que: “o desejo pelo pai, recalcado que estaria na origem da histeria” (Teoria do Édipo).
Assim como sua teoria, o tratamento da histeria também sofreu modificações. A hipnose utilizada por Freud no início de sua clínica logo deu lugar à técnica da “associação livre”, e a cura pela fala é utilizada no método psicanalítico.
Os seguintes sintomas histéricos foram descritos por Freud em seus estudos:
abulia, afasia, alucinação, amaurose, ambliopia, amnésia, analgesia, anestesia,
angústia, anorexia, artralgia, asma, astasia, atetose, attitudes passionelles; cãibras no pescoço, Cephalagia adolescentium, choro, contração de dedos das mãos e dos pés, contraturas, convulsões epileptóides, Délire ecmnésique, delírios, depressão, desmaios, diplopia, dispnéia, distúrbio do andar, distúrbios auditivos, distúrbio da fala, distúrbio do olfato, distúrbio da visão, dor de cabeça, dores gástricas, ecmnésia, enxaqueca, eritema, espasmos, espasmos clônicos, espasmos histéricos, estrabismo, estupor, euforia, fadiga, sensação de frio, gagueira, constricção da garganta, hemianestesia, hiperalgesia, hiperestesia, idées fixes; insônia, macropsia, mutismo, nevralgia, nevralgia ovariana, palpitações, parafasia, paralisia, paramnésia, paresia, parestesia, petit-mal; pseudo-encefalite, pseudoperitonite, surdez, tiques, tontura, tremores, Tussis nervosa, vômito, zoopsia (1895, p. 341).
Pode-se destacar, portanto, os sintomas comuns apresentados no quadro
clínico “Fibromialgia” e no quadro clínico “Histeria”: angústia, choro, depressão,
distúrbio do andar, dor de cabeça, espasmos, fadiga, insônia, nevralgia, parestesia e tremores.

Os casos clínicos de histeria descritos por Freud

Em “Estudos sobre a histeria”, Freud apresenta cinco casos clínicos e faz
uma descrição bastante minuciosa e rica em detalhes tanto dos inúmeros sintomas que acometiam suas pacientes, como de fatos e detalhes de suas vidas. É nesse texto que se encontra a constatação principal, para sua teoria, de que o histérico sofre de reminiscências inconscientes, ligadas a um afeto insuportável que lhe serve de base mais tarde para o entendimento da sexualidade humana como infantil e ancorada nas fantasias edipianas.
No Caso I, de Anna O., 21 anos, os sintomas descritos são: dores de cabeça;
contratura e anestesia das extremidades; sentimento de angústia, sendo marcantes o seguintes fatos de sua história: dedicou toda sua energia para cuidar do pai que veio a falecer; ajudava pobres e doentes; era conhecida pela bondade e consideração para com os outros; um dos seus traços de caráter era a
generosidade e solidariedade.
No Caso II, de Emmy von N., 40 anos, os sintomas descritos são: depressão;
insônia; dores por todo corpo; sensação de frio e dor na perna. De sua história,
diz ter sido perseguida pelos parentes do marido; e as expectativas de infortúnios que não paravam de atormentá-la.
No Caso III, da srta. Lucy R., 30 anos, os sintomas são: depressão; fadiga;
analgesia geral.
No Caso IV, da srta. Katharina, 18 anos, os sintomas são: “nervos ruins”;
falta de ar; crises de angústia – acha que vai morrer; zumbido na cabeça.
Finalmente, no Caso V, da srta. Elizabeth Von R., os sintomas são: dores de
caráter indefinido; fadiga dolorosa; dores irradiantes; músculos sensíveis à dor;
hiperalgia muscular; fibras endurecidas. De sua história, destaca-se que sentiase
responsável pela felicidade da mãe; e que cuidou do pai enfermo até a sua morte.
Em todos esses casos, Freud apresenta como, a partir da associação livre,
com a rememoração dos fatos traumáticos que remetem à experiências sexuais
infantis recalcadas, os sintomas que se manifestam no corpo, ao se transcreverem em palavras para o psicanalista, têm uma outra resolução, desta vez simbólica.

Casos clínicos de Fibromialgia

Os pacientes fibromiálgicos foram ouvidos em entrevistas abertas, com duração de 50 minutos, realizadas no Ambulatório de Fibromialgia do Hospital de Clínicas da Universidade Federal do Paraná, entre dezembro de 2003 e março de 2004. Os pacientes ouvidos eram indicados pelos médicos do serviço, após terem passado pela consulta diagnóstica ou pela consulta de retorno.
Durante a entrevista os pacientes foram ouvidos sobre sua dor ou apenas
convidados a falar sobre si. A entrevista tinha o intuito de redirecionar a queixa
do paciente, que é estritamente física, fazendo com que eles dessem um novo
sentido à sua dor. Assim como Freud (1896) descreve seu método de investigação anamnésica: “a que influências danosas os próprios pacientes atribuem seu adoecimento e o desenvolvimento desses sintomas” (p. 189).
Os sintomas físicos descritos por esses pacientes eram geralmente os mesmos, diferenciando-se apenas de membro ou intensidade; cada paciente, porém, tinha sua história, sua dor particular. A partir daí, dando lugar às queixas físicas, surgiram muitas histórias de vidas sofridas, e a dor do corpo se transformava em palavras, enfim, histórias que pareciam se repetir uma atrás da outra...
Traços recorrentes: pessoas que cuidam de tudo e todos; que se sentem
responsáveis pela felicidade do outro; que sofreram perdas financeiras ou de
saúde; situações de pai, marido violento; gravidez precoce; alcoolismo; abusos
físicos, verbais, como pode-se perceber nos seguintes recortes da fala de alguns
dos pacientes ouvidos no Ambulatório de Fibromialgia.
L.R. 48 anos, que sempre cuidou do marido doente e que agora sofre com a fibromialgia, diz: “agora que estou cada vez pior ele está cada vez melhor”.
E.K. 45 anos, cuidou da sogra esclerosada de quem sofreu abusos físicos e
verbais por 13 anos, além de cuidar dos filhos, da lavoura. Hoje diz sofrer por
não poder mais dar conta de tudo, a dor física a impede.
A.M. 52 anos, descreve ter pertencido a uma cadeia de abusos, primeiro
sofria com o pai alcoólatra, depois com o marido violento, agora é do chefe que
reclama. Diz sempre ter conseguido dar conta de tudo, criou seus filhos sozinha,
no momento as dores da fibromialgia a tem impedido.
C.S. 43 anos, descreve perdas financeiras sofridas há mais de vinte anos
como se tivessem ocorrido há poucos dias, sofre com suas reminiscências da
falência no corpo com a fibromialgia.

O.A. 48 anos, conta seus partos difíceis, no último deles diz ter sido atendida
por um médico sem experiência, “açougueiro”, que agora seus intestinos estão
colados e que lhe doem muito, tudo dói.
T.M. 35 anos, conta ter sofrido cinco acidentes de carro durante a vida; no
primeiro deles tinha apenas poucos dias de nascida. No mais grave, onde foi
atropelado “pelas costas” por um amigo, ficou de cama por meses. Conta que
sofre perseguições políticas e que isso destruiu a sua vida. Tem depressão e
trabalha “drogado” para agüentar seu corpo doído.
M.L. 53 anos, quer sempre dar conta de tudo e de todos, não pode ver
ninguém sofrendo e diz: “eu sinto na carne pelo outro”. Descreve o sofrimento
do outro colado em seu próprio corpo.

Conclusão

Durante o desenvolvimento deste trabalho pôde-se destacar várias
semelhanças entre as duas patologias estudadas.
Segundo Moldofsky (1991), a origem da fibromialgia está relacionada à interação de fatores genéticos, neuroendócrinos, psicológicos e distúrbios do sono. Cita que diferentes fatores isolados ou combinados podem favorecer a manifestação do quadro, dentre eles doenças graves, traumas emocionais ou físicos.
Freud (1895), antes de ligar a causa da histeria à pulsão sexual, também
relacionava o aparecimento da histeria a traumas psíquicos.
Outro ponto em comum das duas patologias é o descrédito que ambas inicialmente provocaram e ainda provocam frente aos médicos. Afinal, o diagnóstico das duas doenças se dá exclusivamente pelas sensações relatadas pelos pacientes, não existindo nenhum exame que possa comprovar a veracidade do que é descrito. Freud (1909), descreve:
... com o rótulo de histeria pouco se altera, portanto, a situação do doente,
enquanto para o médico tudo se modifica. Pode-se observar que este se comporta para com o histérico de modo completamente diverso que para com o que sofre de uma doença orgânica. Nega-se conceder ao primeiro o mesmo interesse que dá ao segundo, pois não obstante as aparências, o mal daquele é muito menos grave. Os histéricos ficam privados da simpatia dos médicos, pois esses os consideram transgressores das leis de sua ciência. (p. 29)
Essa citação de Freud nunca foi tão atual, os sintomas histéricos continuam
sendo tratados com a mesma falta de simpatia por alguns médicos como eram no
final do século XIX. Esse mesmo preconceito encontra-se descrito na literatura
sobre fibromialgia. Hudson (1989) relata que pessoas que apresentavam dor
generalizada e uma série de queixas mal-definidas não eram levadas a sério e que seus sintomas eram tomados por alguns como imaginários ou desprezíveis, e cita que ainda hoje tais sintomas dividem opiniões.
Como afirma Melman (2003), “... sempre foi uma particularidade histérica
colocar dores na cena clínica, que não têm fundamento orgânico. É uma tradição
absolutamente milenar” (p. 115).
Retomemos os sintomas da fibromialgia: dores difusas pelo corpo, fadiga
crônica, distúrbio do sono, rigidez muscular, parestesias, cefaléias, síndrome do
cólon irritável, fenômeno de Raynaud e distúrbios psicológicos, especialmente a
ansiedade e a depressão. Agora voltemos a Freud (1895), em seus “Estudos sobre a histeria”: todos esses sintomas aparecem lá, assim descritos um a um.
E as histórias de vida das pacientes ouvidas por Freud no final do século XIX
e as das pacientes ouvidas no ambulatório, será que diferem tanto assim?
Tratam-se de histórias de vidas sofridas, perdas, prazeres abdicados...
pessoas que parecem querer dar conta do sofrimento do outro e do seu. Como
se “seu corpo doído fosse o resultado metafórico da surra que levaram da vida”
(Calligaris, 2001).
Freud (1895) pressupunha que os pacientes histéricos possuíam uma excitabilidade anormal do aparelho relacionado com as sensações de dor. Quimby
(1988), também descreve a maior sensibilidade dos pacientes fibromiálgicos frente a um estímulo doloroso.
Freud descobriu o papel fundamental que a sexualidade apresenta na etiologia
da histeria, bem como as questões relacionadas à feminilidade. Tal fato parece ter relevância na fibromialgia, uma vez que por volta de 90% dos seus casos
diagnosticados são de pacientes do sexo feminino.
Os distúrbios do sono relatados em 75% dos casos de fibromialgia (Wolfe,
1990), já eram sintomas abordados por Freud em seu texto “Sobre o mecanismo
psíquico dos fenômenos histéricos” (1893).
Um movimento curioso constatado no transcorrer deste estudo relaciona-se
aos tratamentos sugeridos às duas patologias e à transformação que eles sofreram no decorrer dos anos.
Em 1896, quando Freud se fixou em Viena para estabelecer sua clínica de
doenças nervosas, iniciou o tratamento das histerias com os métodos comumente
recomendados, como a hidroterapia, massagens e cura pelo repouso. Quando
esses métodos se revelaram insatisfatórios ele voltou à hipnose. Porém pouco a
pouco foi abandonando o hipnotismo, o que o fez ampliar ainda mais sua compreensão dos processos mentais, utilizando-se do método da associação livre.
Segundo Bennett (1993), além do tratamento medicamentoso sugerido para
a fibromialgia, sugere-se que o paciente faça exercícios físicos, como
hidroginástica e caminhadas, sendo indicadas também sessões de relaxamento. Um dos “novos” tratamentos sugeridos pelos médicos para fibromialgia é a hipnose!
Torna-se impossível não remeter às sessões de hidroterapia e à cura pelo
repouso, indicadas pelos médicos em 1896. Resta uma interrogação: será que a
hipnose também será abandonada, como Freud a abandonou dando lugar à cura
pela palavra? Assim como a histeria se tornou uma entidade da psicanálise, tomará a fibromialgia o mesmo caminho? No ambulatório em que se realizou a pesquisa, mesmo partindo do pressuposto organicista e do tratamento medicamentoso, os médicos pareciam bastante aliviados em poder contar com uma profissional “psi” para direcionar os pacientes que, mesmo com a receita nas mãos, ainda insistiam em querer falar! Ou quando as histórias contadas eram por demais chocantes, tristes...
Por fim, após abordar as duas patologias, comparando seus sintomas, fatos,
assim como semelhanças entre os casos clínicos descritos por Freud e os
escutados no ambulatório de fibromialgia do Hospital de Clínicas, pode-se lançar
a hipótese de que a fibromialgia não é uma doença contemporânea, mas sim um
sintoma histérico contemporâneo.
No que diferem as pacientes de hoje e as histéricas de Freud? A serviço do
que essa “nova” patologia aparece e ganha cada vez mais adeptos? Assim como
a histeria, no século XIX, ela vem denunciar que algo precisa ser dito, revelado,
colocado em palavras. Afinal é um corpo que fala, que dói.
O que faz a medicina hoje? Nomeia, descreve todo e qualquer sintoma que
o ser humano possa sentir, ou pensar em sentir e então prescreve medicamentos.
Como se a dor de viver aparecesse como dor física e pudesse ser medicada,
curada com um analgésico.
Curiosamente na fibromialgia os medicamentos prescritos são antidepressivos,
analgésicos, medicação para sono – tratamentos para dopar o corpo, calá-lo.
Quer-se calar o corpo para calarem-se as questões. Questões que devem ser
trabalhadas, analisadas. A psicanálise surgiu, no século XIX, partir da busca de
respostas ao enigma da histeria: descobriu um sujeito, desejante, que queria se
fazer reconhecer. Sujeito esse que parece ter sido esquecido na contemporaneidade.
Com a correria dos tempos modernos, em que a ciência e a tecnologia tentam
dar conta de tudo, oferecendo objetos de gozo para qualquer falta, em que
“tempo é dinheiro”, as questões do viver ficam esquecidas ou prorrogadas. Mais
uma vez, o corpo vem denunciar que não é assim que as coisas funcionam com
o psíquico: sem a falta estruturante, não há surgimento do desejo, conseqüentemente, onde está o sujeito ()? Aquele que se implica, se questiona, põe suas dores em pauta? Se essa dor pode ser medicada, se esse corpo pode ser esquecido, se qualquer gozo é permitido, ainda assim podemos afirmar, a partir do discurso psicanalítico: é somente no campo simbólico, das palavras, que um sujeito pode tentar entender o que é ter um corpo, para exercer sua sexualidade e situar-se em um determinado lugar no mundo.

2 comentários:

  1. Boa noite, sou psicologa e tb sofro de fibriomialgia, concordo plenamente com as conclusoes de seu texto. Se possivel, me envie mais textos sobre o assunto......Parabens
    Renata Baviera renata.bav@terra.com.br

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  2. Oi tenho uma irmã que sofre de fibromialgia e sou psicóloga. Venho há tempos pensando nessa relação que você brilhantemente expôs. Concordo com tudo e como acompanho o caso dela, vejo exatamente esse desejo dos médicos de "calar o corpo". Infelizmente ela não aceita a psicoterapia e sofre tomando várias medicações e aceitando o que
    derem para aliviar suas dores. Muito obrigado por esse texto. Parabéns.

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