sábado, 18 de abril de 2009

Como Zaqueu...


Pb. Neir é Coordenador do Curso Básico em Teologia Ministerial - ENSINAI, Formado em Teologia, Graduando em Psicologia pela Federal/PR, Pós-graduando em Doncência do Ensino Religioso, professor, pregador e uma revelação na escrita.


Como Zaqueu...

Sempre que um fenômeno surge no cenário evangélico (gospel para os mais contemporâneos), geralmente ele suscita algumas reações. Duas são praticamente inevitáveis: o frenesi e a contestação. A minha função não é nem aplaudir nem ridicularizar, mas analisar.O hit mais badalado nas últimas semanas em todo o território nacional, inclusive nas rádios seculares, tem literalmente “mexido com as estruturas” do cenário litúrgico da igreja evangélica brasileira. E a minha formação teológica e compromisso ministerial exigem um posicionamento bíblico contextualizado.

Como Zaqueu... – assim inicia a música. Mas, afinal, que Zaqueu é este?O sujeito bíblico não desejou em nenhum momento subir “o mais alto” que pudesse, por duas razões óbvias. A primeira, e essencialmente pragmática, sua estatura não lhe permitiria ver a Jesus do solo; a figueira serviu-lhe de apoio para ver a Jesus. A segunda, e fundamentalmente bíblica, embora o texto não diga a velocidade da subida, afirma, sim, que desceu apressadamente, pois o seu intento era receber Jesus em sua casa. Estranhamente esta letra me parece familiar dos escritos do profeta Isaías que em seu capítulo 14 e versículos 13 e 14, quando diz que “subirei acima das mais altas nuvens”. Um aluno mediano da escola dominical sabe a que se refere este contexto bíblico.

“E chamar sua atenção para mim” – prossegue o hit. Cabe aqui outro questionamento, de que maneira um sincero adorador chama a atenção de sua divindade? Nem precisa ser cristão prá responder esta questão. Católicos, islâmicos e budistas preferem inclinar suas frontes, alguns se encurvam até o chão para render reverência à sua deidade? O “Zaqueu” da canção prefere subir... Muito estranho, eu diria.

Apesar de a letra na sequência nos oferecer um alento sobre a nossa pequenez e a nossa dependência a Deus (“largo tudo pra Ti seguir”), em nenhum momento o “Zaqueu pós-moderno” decide descer das alturas – pelo menos não fica claro na música – talvez esteja subtendido subliminarmente.

É espantoso como as pessoas cantam sem ao menos “ler” o hinário contemporâneo projetado nos telões. Posso ser taxado de radical, mas apesar de simples e rústico, considero o meu culto racional. Eu me recuso a cantar algo que não condiz com a minha realidade espiritual. Ou seja, quando um cristão implora através de seus lábios “entra na minha casa, entra na minha vida”, afinal o que ele está querendo dizer? Qualquer aluno da classe “Cordeiros de Cristo” vai saber responder: é sinal que ele está do lado de fora. E se estiver?... Talvez não estejamos entendendo para quem é destinada esta canção. Quem sabe aqui esteja a riqueza da canção! Se a sétima carta apocalíptica foi direcionada ao anjo da igreja em Laodicéia, quem sabe esta não seja a “sétima” missiva para a “Igreja Meio Pentecostal dos Últimos Dias”. Laodicéia (conforme Apocalipse 3.14-22) era a mais rica das sete cidades que receberam uma notificação divina (ela era reconhecida por seu sistema bancário, manufatura de lã e sua escola de medicina). Mas o que a distinguia de fato das demais era as suas águas mornas provenientes de suas fontes de águas quentes. Quando uma igreja morna – como é o caso da igreja que representa a pós-modernidade – começa a suplicar que Jesus entre em sua casa, na verdade, ela nos sugere duas situações dialeticamente opostas: de um lado é lamentável que o Senhor da casa esteja do lado de fora, mas em contrapartida, a conscientização chegou e é um fato em muitas igrejas atualmente. Esta semana um desses pastores angustiados pelo movimento da neo-liturgia sugeriu à sua membresia que substituísse este refrão para: “fica na minha casa, fica na minha vida”. Ainda temos arautos de plantão!

Finalmente, é preciso destacar uma expressão, que, embora não comprometa, deve ser teológica e espiritualmente considerada. Quando se pede “mexe com minha estrutura”, está-se pedindo o quê, afinal de contas? Que estrutura é esta. É de ordem fisiológica? Ideológica? Mental? Ou seria espiritual? Seja qual for, uma outra questão urge: Ele pode mexer, mesmo? Teríamos nós “estrutura” para se deixar abalar pelo Todo-Poderoso? Uma geração que sequer questiona (à luz da Bíblia) o que canta estaria apta para o tratamento do Dr. Jesus e seus métodos nada convencionais? A impressão que tenho é que antes de nos dar ao luxo de procurar o especialista em mudar os caracteres fragmentados pela cosmovisão do sucesso, do hedonismo e da religião liberal, o ideal seria descermos da árvore de Nabucodonosor (Daniel 4) e nos matricularmos na escola do Mestre Jesus. A propósito, as matrículas estão (sempre) abertas.

Uma vizinha minha além das canções de um padre-cantor, um funk carioca e os sucessos de sua FM preferida, ela canta em alto e bom som o sucesso daneseano. Seria a globalização do evangelho? Mundialização ou mundanização? Com a palavra... O evangelho!

Assim como “nem só de pão vive o homem”, nem só de crítica sobrevive este cronista. Uma linha do refrão poderá fazer toda a diferença. “Me ensina a ter santidade” é muito melhor do que “sara todas as minhas feridas” por duas razões fundamentais. A primeira é que santidade não depende de ninguém além de mim mesmo para tê-la. A gente só aprende a ser santo, sendo santo. Eu preciso decidir mudar de vida. O apóstolo Paulo se antecipou à pós-modernidade ao recomendar: “E não vos conformeis com este mundo, mas transformai-vos pela renovação do vosso entendimento” (Romanos 12.2). A segunda é que é irreal sonharmos com a possibilidade de não termos mais nenhuma ferida. Ele pode e cura todas as enfermidades, mas isso não significa que eu estarei isento de dores e padecimentos.

Curiosamente, no original, Zaqueu significa “puro” ou “justo”. Bem diferente da figura do cobrador de impostos mais famoso e mais suspeito da história da cristandade.

A propósito, não seria mais sábio suplicar que o Mestre mexa em nossa estatura e em vez de nossa estrutura? Porque não fazermos nossa a proposta de João Batista: “Que Ele cresça e eu diminua”...

Até porque quanto menor eu for maior a sombra da Videira Verdadeira sobre o velho eu!


Pb. Neir Moreira

http://www.neirmoreira.com/


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